domingo, outubro 17

Entrevista Laura Udokay



A escritora Laura Udokay lançou recentemente um livro independente: ”Martini o pequeno demônio” que é uma história que se passa nos anos noventa, mais precisamente no período Collor de um garoto apaixonado por heavy metal e musica pesada. O e-Zine Farofa Underground teve a honra de conversar com a autora do livro por e-mail.


Farofa Underground - Primeiramente gostaríamos de saber como surgiu a idéia de escrever o livro?

Laura Udokay - A idéia surgiu por uma ironia técnica, porque sempre fiz quadrinhos, desde criança que desenhava e queria ser cartunista. Mas, andava com essa idéia de criar uma história sobre uma banda de rock brasuca. Todavia, por incrível que pareça, estava com preguiça de desenhar tantos detalhes em formato HQ. Do nada pensei em como as letras tem um poder bem maior de que o desenho para criar ótimas cenas no cérebro humano, daí, comecei a escrever esboços do Martini o pequeno demônio há quase cinco anos. Como eu já gostava de ler desde pequena, vi que também levava jeito para escrever, foi bem assim, sem pretensão alguma de ser escritora. Acho que tinha de ser, hoje não me imagino sem uma tela de Word em branco na minha frente, quero logo construir algo que nos leve para longe daqui.

FxUx - A história se passa justamente nos anos 90, no período Collor. Como se deu a escolha desta década?

Udokay - Isso foi um caso engraçado! Eu estava na aula de guitarra conversando com meu professor Ivan Santos (hoje grande amigo meu), sobre o meu livro (como sempre). Daí, ele me deu a dica de desenvolver a historia nos anos 90, pois ele mesmo, inclusive, começou sua banda de heavy nesse período. Ele tinha boas historias para contar, o cara foi também um bom labratório!
Certa vez, o convidei para vir na minha casa só para eu gravar uma entrevista com ele. Fiz um milhão de perguntas técnicas sobre instrumentos musicais, shows legais e odiosos, bandas favoritas, enfim, uma escola de rock para me ajudar a compor o enredo do meu livro. Como, na época, eu já havia escrito umas 100 páginas do Martini, tive de adaptar tudo para a nova cronologia, pois estava escrevendo no período atual. Houve vezes em que fui para aula de guitarra e só fiquei batendo papo sobre o universo musical, eu aproveitava, quase compulsivamente, para extrair conteúdo para o meu livro. A escrita, aquela altura, já era meu vício, meu “barato”, (risos). E o Ivan se tornou uma apostila de música. Eu acho que pagava o cara para ser meu amigo, pois nunca me esforcei muito para estudar guitarra, aliás, sou uma guitarrista medíocre.

FxUx - Você conta em seu blog que durante quatro anos fez laboratórios, aula de guitarra, etc. Como foram estes laboratórios e por que da iniciativa de fazer aulas de guitarra?

Udokay - Certamente eu precisava de base para criar realismo na personalidade dos meus personagens. Não dá para escrever sem isso, é como querer fazer um ser humano sem esqueleto, vira uma gelatina (risos). O livro é a mesma coisa, carece estudo. Comecei a pesquisar instrumentos musicais, tirava fotos de ruas, casas, bares, ou buscava no Google, tudo para me ajudar a criar uma cidade imagética para os personagens se locomoverem.
Assisti a documentários sobre drogas, alcoolismo, quase todo tipo de vício que, não raro, os jovens se atrevem a experimentar. Precisava parecer real, tinha de ser. Não faço apologia a nada de errado do meu livro, mas o “errado” é pauta da obra, está lá, porque ninguém é santinho, ou é?
Então, quando percebi, tinha umas trocentas pilhas de papeis sobre tudo quanto é assunto que eu queria abordar no livro. O desenrolar da trama, depois, vai saindo sozinho. Há um envolvimento muito intenso durante o processo de escrita, eu literalmente encarnava os personagens e me deixava levar pelas experiências dos próprios. Coisa de louco, até sonhava com os eles, vivia uma gravidez criativa (que durou quatro anos) rsrsrs.

FxUx - Vimos que você utilizou como inspiração o cantor britânico Joe Cocker para criar o protagonista Liam Martini e Serj Tankian (SOAD) para o guitarrista Guilherme. Quais outros personagens são inspirados em artistas? Cite-os:

Udokay
- Oasis hoje, Oasis amanhã, Oasis!!! O nome do Liam Martini é inspirado no Liam Gallagher. Sou fã dessa banda desde os meus doze anos de idade, é um lance nostálgico. Sei que admitir alguma queda pelo Oasis é levantar bandeira para discussões, mas eu curto o som dos caras, não me importa que os irmãos Gallagher se pegavam com peixeira (risos).
No geral, me inspirei em muitos artistas para extrair essência de certos personagens. E até de estranhos que via pelas ruas. Eu ficava, e ainda fico, escutando determinadas bandas para imaginar os meus personagens em cima de um palco. Por minha própria força não conseguiria fazer tudo brotar por simples acaso. Mas posso citar estilo de vozes que me ajudaram com o Liam Martini, pois bandas são muitas, mas vocal eu selecionei demasiadamente (sou apreciadora de vozes roucas, tanto masculina quanto feminina). Curto o gogó do falecido Layne Staley, o também falecido Kurt Cobain, Chris Cornell, Caleb Followill, Rob Zombie, Scott Stapp e Eddie Vedder. Acho que foram esses, basicamente.

FxUx - Um dos fatores que me chamou a atenção foi a publicação por um meio independente, e disponibilizando sua obra para downloads. Por que desta escolha de divulgação? Você chegou a procurar alguma editora para a publicação?

Udokay - Claro que envio bonecos do meu livro para as editoras. Mas, é como acreditar que elefantes vão voar. Na boa, tem de ter um rabo enorme para conseguir que um editor se interesse, em meio a pilhas colossais de outros livros, por sua obra. Não acredito em papai Noel, não mesmo. Mas mesmo assim comecei, quando chegou o registro da minha obra, a enviar cópias do Martini para certas editoras. O problema era que, o livro em formato A4 tem trezentas e lá vai bolinha de páginas, na diagramação padrão para mercado editorial tem seiscentas e oitenta e duas páginas. Não tinha como ficar imprimindo tantas folhas, não tenho grana para isso, até comprei (em prestações) uma impressora para suprir esse lado, mas cartuchos vão para o saco em tempo recorde e, isso me atrasava muito.
Foi aí que, o João Paulo (do Whiplash!) me deu a dica de lançar virtualmente. Disse que inicialmente eu não ganharia um níquel com essa aposta, mas ganharia alguma visibilidade. Foi uma dureza me convencer disso, pois nunca me passou pela cabeça jogá-lo na rede de graça. Eu fiz planos com a literatura, queria viver disso, porra, sonho não paga as contas e, eu sou casada, não posso ficar vivendo de devaneio até morrer. Daí apostei ele na internet como download, tipo um tiro de misericórdia. Se rolar algo maior rolou, se não... Poxa, aí eu pulo da ponte (risos).
Brincadeiras a parte, mas eu realmente desejo que alguma editora veja que o meu livro é bom, que tem tanta chance e qualidade como qualquer obra renomada. Acredito na minha literatura porque tem qualidade. Raras vezes me orgulhei dos meus desenhos, e olha que já fui desenhista de HQ nos Estúdios Mauricio de Sousa e, nem por isso morro de orgulho. Agora, quando comecei a escrever e vi que estava ficando bom, pela primeira vez na vida me alegrei de algo que fazia. Modéstia? Ah sim, eu tenho muita, por que existe diferença entre humildade e confiança, e fé no meu livro eu tenho, por que ele é obra de dom! Deus dá isso para aqueles que Ele sabe que são mais moles, e eu sou uma romântica, por isso sofro muito.

FxUx - Este foi a sua primeira publicação. Você já tem em mente alguma outra obra? Se sim, pode adiantar algo?

Udokay - Tenho, e como tenho! O próprio Martini já foi concebido com a intenção de haver continuação. Minha idéia era fazer um segundo volume com os personagens mais velhos. Está certo que, no geral, os integrantes da banda são rapazes de vinte e poucos e, terminam a historia beirando os trinta ou já balzaquianos, mas no segundo round eles vão estar cheios de cicatrizes, preciso falar desse processo de redenção. Se eu não escrevo fico louca, logo, sou louca, sério, não sou normal, eu vivo no mundo da lua (risos).
FxUx - Você acha que esta maneira de publicação possa a vir chamar a atenção das editoras e lhe procurarem para fazer o lançamento impresso?

Udokay - Eu dobro os joelhos todas as noites rogando por essa conquista. Eu quero que alguma editora veja, através dos downloads que, a minha obra é promissora. Mas, bem, eu ainda não vi nenhum elefante perambulando pelo céu. Avisa-me se você ver?

FxUx - Como escritora, você acha que os livros impressos podem vir a entrar em “extinção” e os livros passarem a serem escritos e publicados de modo virtual?

Udokay - Não sei. Em termos brasileiros as publicações digitais demoram a vingar porque os Ipads, Kindles, e E-books são caros. Nem todo mundo tem dinheiro para bancar um luxo desses. Em questões praticas é ótimo, imagine poder carregar coleções inteiras de grandes autores como Machado de Assis, Fernando Pessoa, Ferreira Gullar, etc. Tudo isso em um único aparelho. Você pode andar com uma biblioteca de bolso, e isso é fantástico! Mas, e sempre tem o “mas”, livros de papel são, ou ao menos deveriam ser, mais acessíveis ao bolso da brava gente brasileira. Já entrei em muita discussão pela questão dos livros digitais serem uma ‘boom’ no padrão europeu. Mas, olha o “mas” de novo, na Europa o fator editorial é rentável porque o buraco é mais embaixo. Temos de voltar para o passado para compreender a razão dessa virtude, pois o Brasil foi colônia de exploração, por isso, em termos cronológicos estamos atrasados em muitos sentidos, inclusive na política. A Europa é o velho continente, berço do desenvolvimento da sociedade atual. Portanto, creio que, em termos gerais o livro impresso não morre tão cedo, todavia, o futuro é um mistério. Só que, pelo padrão brasileiro o livro físico prevalece.

FxUx - Para finalizar, gostaria de parabenizar pelo seu trabalho, e gostaria que você deixasse uma mensagem para os leitores do blog e deixo livre para falar o que desejares.

Udokay - Eu gostaria de dizer que ler é uma maravilha, sonhar nunca vai sair de moda, e temos mesmo de fazer o que gostamos. Sei que nem sempre a vida nos permite que sejamos o que desejamos ser, mas cacetada ajuda a se tornar uma pessoa melhor. Olha para mim, depois que saí da U.T.I. emocional, estou embriagada pela fé no incerto, o incerto da minha própria literatura, afinal de contas, eu sou uma escritora, evidente, mas o resto do mundo sabe disso?

Blog de Laura Udokay

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